domingo, 25 de julho de 2010

CONVERSANDO COM JOVENS por Affonso Romano


Que conselhos dar aos jovens? Ou melhor, se lhe convidassem para fazer uma palestra para a meninada entre 12 e17 anos a respeito da vida e do nosso tempo, o que você diria? Nelson Rodrigues, que gostava de fazer frases de efeito, dizia que devemos aconselhar ao jovem: "envelheça!"- como se isso fosse uma fórmula salvadora. Não é verdade. Muita gente envelhece e não cresce, cria casca e não amadurece.

Digo isto porque nesses dias fui falar para jovens em São Paulo e Minas. Primeiro, lembrei-me da célebre "Oração aos moços" proferida por Ruy Barbosa em 1920 aos formandos de direito. Fui ler o texto do "Águia de Haia". Quase ilegível hoje. Se espremer sai pouca coisa, além da velha retórica. Lembrei-me também de peças de teatro e romances onde um velho dá conselhos a um jovem que parte para a guerra ou para a vida.

Esses textos não me socorrem. O mundo é outro. Venho do paleolítico, ou seja, do século XX, um período assás estranho tanto na história do homo sapiens quanto na do homem ignorante. E constato que o século XXI, onde essas moças e moços estão, é bem diferente. No meu tempo os jovens eram predominantemente virgens. Achava-se que o mundo era dividido entre esquerda e direita. E pensava-se que a história seguia um rumo determinado. Havia a "guerra fria", não havia internet nem celular.Como dizia Rubem Braga, sou do tempo em que telefone era preto e geladeira era branca.

Olho o mundo dos jovens, essa sociedade a que chamam de pós-moderna, sociedade pós-industrial, aldeia global. O que fazer diante do apocalipse desencadeado não pelas armas atômicas, mas pelo derretimento da calota polar, a erupção de vulcões e tsunamis,? O que fazer diante das cidades entulhadas de carros, da poluição que sufoca nossos pulmões urbanos? Que fazer da eroticidade perversa e desgovernada despejada em catadupas sobre todos?

Se pudesse fazer alguns alertas ou deixar algumas sinalizações na estrada, eu diria aos jovens,cuidado com algumas palavras como interatividade, transgressão, relativismo ,anti-arte, etc.

Por exemplo:
1. a interatividade é formidável, possibilita intercâmbios, mas há o risco do discurso vazio, troca apenas de ruídos, um blá-blá-blá que bloqueia os fones da consciência;

2. a ideologia dominante abomina hierarquias. Mas hierarquias podem ser perversas ou construtivas. Não existe sistema sem leis, normais, regras. A pregação da quebra de normas, é simplesmente outra norma;

3.cuidado com o pensamento relativista. As coisas não se equivalem.O carbono tem certas propriedades que não são a do fósforo, todo ser humano tem algo pessoal . A voracidade metonímica tenta nos convencer que os sujeitos são objetos que podem ser trocados uns pelos outros;
4. alimentada pelas vanguardas há cem anos, nossa cultura apaixonou-se pela transgressão. Já não se trata de transgredir algo, mas de transgredir a transgressão. Isto é um paradoxo. Já se transgrediu tanto, que se poderia fazer um "museu da transgressão"- a transgressão já foi codificada. Antes, erroneamente se dizia: "não transgrida", hoje perversamente se diz- "transgrida"; desde modo quem obedece a ordem de transgredir não está transgredindo, mas obedecendo ordens;

5.nos globalizaram. Foi ótimo por um lado. Por outro lado, desnorteador. Ganhamos em aproximação com o "outro", o longínquo ficou próximo. Mas o "outro" virou um invasor de nosso espaço econômico, social e subjetivo. Indivíduos e culturas estão se sentindo, de certo modo, desenraizados, uma universalidade aérea, vazia;

6.a natureza está cobrando dívidas. Gerações anteriores assinaram cheques em branco sobre o futuro, as riquezas pareciam inesgotáveis. A "mãe natureza" não cobrava nada. Não era verdade: vulcões, tsunamis, secas, degelos e fome nos espreitam. Pela primeira vez todas as populações da terra são responsáveis por tudo. Confirmou-se o principio zenbudista de que o ruflar de asas de uma borboleta no oriente ocasiona um turbulência no ocidente.

7. A sociedade atual é uma sociedade "matrix". Exuberante. Mistura o falso e o verdadeiro, o real e o virtual. Cultiva o "fake" e o "cover". Pior: toma o lixo por luxo, centraliza contraditoriamente a periferia. Com isto, narciso vive num jogo confuso diante do próprio espelho.

8.Retrato mais sintomático dos nossos paradoxos é a arte de nosso tempo: a produção de enigmas vazios, produtos que se gabam de não significarem nada, como se o faminto imaginário humano pudesse se alimentar do vazio e se contentasse com a esterilidade criativa.

Ser jovem nunca foi fácil. E desde que nos anos 60 instituiu--se o "poder jovem" a coisa tornou-se mais complexa. Estar no poder é coisa de muita responsabilidade. Rimbaud dizia: "não se é sério aos dezessete anos". Será?

Cabe a vocês demonstrar se ele tinha ou não razão.

(*) ESTADO DE MINAS, 23.05.2010
http://www.affonsoromano.com.br/blog/index.php?atual=60&min=20&max=24

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