quarta-feira, 20 de abril de 2011

FAZER VERSOS




- Sim, custou muito.
Foi preciso, primeiro, que eu fosse bem criancinha
ainda e chorasse muito sem saber por quê...E mais
tarde...
...que eu descobrisse o arco-íris, achasse lindo,
mas lhe desse as costas para compreender o sol.
E depois...
...que eu aprendesse a ler e a escrever, achando
interessante o desenho das letras, suas curvas e suas
retas. E então...
...que eu começasse a dizer as palavras e a gostar
delas, independentemente do seu sentido, apenas pela
sua musicalidade. E por isso...
...que eu procurasse saber como foi e para o que
foi que elas nasceram, e por que, e onde, e quando.E,
pois...
...que eu percebesse serem elas multiformes,variando,
segundo o tempo e o espaço e a boca das
raças diferentes que as dizem.E no entanto...
...que eu entendesse ser a sua forma, na grafia e
no som, isto é, o seu espírito.E este era preciso...
...que eu achasse parecido com aquela,como a
alma se parece com o corpo.E, baseado nessa harmo-
nia...
...que eu elegesse a expressão exata, capaz de ex-
primir qualquer coisa...
...que eu criasse e guardasse em mim, fechada, 
secreta,proibida,porque me pareceu imortal.Mas,
para que não morresse ela comigo...
...que eu tivesse a coragem de tirá-la do meu mundo
e revelá-la e entregá-la ao mundo de todo o mundo.
E agora...
...que, retrocedendo, voltasse eu à criancinha que
fui, chorando muito,sem saber por quê.

***

Isso, aí em cima, para responder à pessoa amiga 
que me perguntou ,outro dia,se me custou muito
fazer o meu primeiro verso.

Guilherme de Almeida
09.09.1961

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