terça-feira, 19 de abril de 2011

CRENÇA




Crença e não-crença fazem parte do humano. Não são coisas estranhas. Podem, portanto, conviver perfeitamente.

Ou a pessoa é crente (a maioria dos brasileiros, segundo as pesquisas), ou não é. Dificilmente um crente convencerá um descrente a mudar suas convicções, e vice-versa. Os argumentos podem ser lógicos e/ou fervorosos, mas, independentemente de raciocínio, a decisão é tomada nos escaninhos mais profundos e misteriosos da mente, e de uma maneira que mal podemos compreender. No extremo, esta diferença pode levar a conflitos às vezes sangrentos. O "crê ou morre" não foi, e não é, raro na história da humanidade. No Iraque, barbeiros correm risco de vida. Por quê? Porque raspam ou aparam barbas, o que para os fundamentalistas é crime. De outro lado, as perseguições de regimes políticos contra religiões estabelecidas também podem ser ferozes.

As pessoas que não crêem tendem a amparar-se nas razões do intelecto ou da ciência. Sua atitude em relação aos crentes, não raro, é de condescendência, quando não de franco desprezo. Mas a crença religiosa representa um amparo impressionante; seu poder transparecia na fisionomia das pessoas durante a visita do Papa. Entrevistadas, falavam da intensa emoção que estavam vivendo e que certamente compensava muitas das frustrações do cotidiano. Mais que isto, o amparo que resulta da fé tem expressão até orgânica; trabalhos científicos mostram, de forma consistente, que crentes resistem melhor a doenças e que sua sobrevivência, em situações graves, é maior.

Diante disso, conclui-se que a palavra-chave, em matéria de crença (e em matéria de muitas outras coisas), é tolerância. Os não-crentes devem aceitar o fato de que muitas pessoas acreditarão em Deus, em milagres, na vida após a morte. E os crentes precisam aprender a respeitar a posição daqueles que não acreditam. Cada um tem o direito de agir conforme suas convicções; e a liberdade alheia deve ser respeitada. A viagem do Papa ressuscitou algumas antigas polêmicas neste país.

Polêmica, como demonstra o Lauro Quadros diariamente na Rádio Gaúcha, não prejudica ninguém. Violência prejudica. Bater boca? Ótimo. Bater nos outros, matar os outros, queimar os outros - negativo.

Sou humano e nada do que é humano me é estranho, disse o pensador latino Terêncio. Crença e não-crença fazem parte do humano. Não são coisas estranhas. Podem, portanto, conviver perfeitamente. Desde que as pessoas se aceitem mutuamente tais como são.
 
Moacyr Scliar

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