Crença e não-crença fazem parte do humano. Não são coisas estranhas. Podem, portanto, conviver perfeitamente.
Ou a pessoa é crente (a maioria dos brasileiros, segundo as pesquisas), ou não é. Dificilmente um crente convencerá um descrente a mudar suas convicções, e vice-versa. Os argumentos podem ser lógicos e/ou fervorosos, mas, independentemente de raciocínio, a decisão é tomada nos escaninhos mais profundos e misteriosos da mente, e de uma maneira que mal podemos compreender. No extremo, esta diferença pode levar a conflitos às vezes sangrentos. O "crê ou morre" não foi, e não é, raro na história da humanidade. No Iraque, barbeiros correm risco de vida. Por quê? Porque raspam ou aparam barbas, o que para os fundamentalistas é crime. De outro lado, as perseguições de regimes políticos contra religiões estabelecidas também podem ser ferozes.
As pessoas que não crêem tendem a amparar-se nas razões do intelecto ou da ciência. Sua atitude em relação aos crentes, não raro, é de condescendência, quando não de franco desprezo. Mas a crença religiosa representa um amparo impressionante; seu poder transparecia na fisionomia das pessoas durante a visita do Papa. Entrevistadas, falavam da intensa emoção que estavam vivendo e que certamente compensava muitas das frustrações do cotidiano. Mais que isto, o amparo que resulta da fé tem expressão até orgânica; trabalhos científicos mostram, de forma consistente, que crentes resistem melhor a doenças e que sua sobrevivência, em situações graves, é maior.
Diante disso, conclui-se que a palavra-chave, em matéria de crença (e em matéria de muitas outras coisas), é tolerância. Os não-crentes devem aceitar o fato de que muitas pessoas acreditarão em Deus, em milagres, na vida após a morte. E os crentes precisam aprender a respeitar a posição daqueles que não acreditam. Cada um tem o direito de agir conforme suas convicções; e a liberdade alheia deve ser respeitada. A viagem do Papa ressuscitou algumas antigas polêmicas neste país.
Polêmica, como demonstra o Lauro Quadros diariamente na Rádio Gaúcha, não prejudica ninguém. Violência prejudica. Bater boca? Ótimo. Bater nos outros, matar os outros, queimar os outros - negativo.
Sou humano e nada do que é humano me é estranho, disse o pensador latino Terêncio. Crença e não-crença fazem parte do humano. Não são coisas estranhas. Podem, portanto, conviver perfeitamente. Desde que as pessoas se aceitem mutuamente tais como são.
Moacyr Scliar
tela de Attributed to Fra Angelico
Nenhum comentário:
Postar um comentário