Rostos.
Bilhões de rostos na face da Terra.
Dizem que cada um diferente
dos que existiram ou existirão.
Mas a natureza - quem lá entende -
talvez cansada do trabalho incessante,
repete suas antigas ideias
e nos coloca rostos
já usados um dia.
Talvez você cruze com Arquimedes de jeans,
a tsarina Catarina com roupas de liquidação,
algum faraó de pasta e óculos.
A viúva de um sapateiro descalço
de uma Varsóvia ainda pequenina,
um mestre da gruta de Altamira
indo com os netos ao zoológico,
um vândalo cabeludo, ao museu,
deslumbra-se um pouco.
Uns que tombaram duzentos séculos atrás,
cinco séculos atrás
e meio século atrás.
Alguém transportado aqui numa carruagem dourada,
alguém num vagão de extermínio,
Montezuma, Confúcio, Nabucodonosor,
suas babás, lavandeiras, e Semíramis,
que fala somente inglês.
Bilhões de rostos na face da Terra.
O teu, o meu, o rosto de quem -
você nunca vai saber.
Talvez a Natureza precise enganar,
e para dar conta de prazos e demandas,
comece a pescar aquilo que está submerso
no espelho da desmemória.
Wislawa Szymborska
de De Aqui (Tutaj, 2009)
arte Dorina Costras
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