domingo, 27 de junho de 2010

A POESIA






E foi a essa idade...Chegou a poesia
para buscar-me.Não sei, não de onde
saiu, de inverno ou rio.
Não sei como nem quando,
não,não eram vozes, não eram
palavras, nem silêncio,
mas do fundo de uma rua me chamava.
lá dos ramos da noite,
de repente entre os outros,
entre fogos violentos
ou regressando só,
ali estava sem rosto
e me tocava.




Eu não sabia o que dizer, minha boca
não sabia
momear,
meus olhos eram cegos,
e algo batia em minha alma,
febre ou asas perdidas,
e me fui fazendo só,
decifrando
aquela queimadura,
e escrevi a primeira linha vaga,
vaga, sem corpo, pura
tonteira,
pura sabedoria
do que não sabe nada,
e vi de súbito
o céu
debulhado
e aberto,
planetas,
plantações palpitantes,
a sombra perfurada,
crivada
de flechas,fogo e flores,
a noite envolvedora, o universo.

E eu, mínimo ser,
ébrio do grande vazio
constelado,
à semelhança,à imagem
do mistério,
me senti parte pura
do abismo,
rodei com as estrelas,
meu coração se desatou no vento.

Pablo Neruda
In Memorial da Ilha Negra
Tela by Jose Royo

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